
ANÁLISE
Super Mario Sunshine
Por João Dias a
A personagem mais venerada do mundo dos jogos requer um tratamento que não é dispensado a mais nenhuma quando se trata de criar um novo título. O culto de Mario e a importância que esta personagem tem para a Nintendo e para o universo dos jogos colocam a fasquia num ponto tão elevado que Miyamoto e a sua equipa não se podem dar ao luxo de fazer algo que não seja genial.
Divertido, interessante, cativante, viciante...todos estes adjectivos ficam muito bem quando aplicados a um jogo ditoconvencional, no caso de Mario não chegam...é preciso ir muito além do convencional, desafiar as tais convenções e ideias pré-estabelecidas, esticar a criatividade até ao limite e contudo, nunca se afastar da fórmula tradicional que fascina jogadores há mais de duas décadas e que parece não perder ímpeto. Ser produtor de um jogo da série Super Mario está, com toda a certeza, entre as posições mais exigentes da indústria dos jogos e tudo o que fique abaixo de uma obra-prima é recebido com uma titânica desilusão do público.

Super Mario 64 foi para milhões de jogadores por esse mundo fora, uma autêntica dádiva dos céus, ou a divinização de Miyamoto e companhia – afinal, quem consegue fazer uma transição quase perfeita da série Super Mario de um mundo plano a duas dimensões para um mundo aberto a três dimensões, criar novos ambientes, novas mecânicas e ainda assim, convencer os jogadores mais exigentes que continuamos no mesmo universo, é digno de adoração.
Acontece que isso foi em 1996, os jogos a três dimensões estavam a impor-se e estava em curso uma mudança impiedosa que iria varrer para os campos da nostalgia as séries que não fossem capazes de se adaptar, criando novas séries dentro dos universos tridimensionais e elevando à nova geração as poucas séries capazes de se adaptar ao novo paradigma.
Chegamos a 2002, com os universos tridimensionais perfeitamente assimilados pelo público e uma nova geração de consolas à nossa frente – já não nos deixamos convencer apenas pelas três dimensões em si, é preciso algo muito mais envolvente e no caso da Nintendo, é preciso um jogo de bandeira, capaz de dar vapor à GameCube – o resultado foi Super Mario Sunshine.
Muito longe de se tratar de uma sequela de Super Mario 64, Sunshine demonstra bem que na Nintendo, era necessário dar uma volta radical ao universo Mario e isso torna-se óbvio na primeira vez que jogamos o primeiro título da série Mario nos 128-bits. Um corte ousado – adeus ao Mushroom Kingdom, este título desenrola-se inteiramente numa localização tropical, com fortes traços mediterrânicos, conhecida como Isle Delfino, num período em que Mario e a sua entourage gozam umas merecidas férias: Mario tira férias de salvar constantemente a Princesa, enquanto que esta tira férias de ser constantemente raptada. Temos, portanto, um ambiente totalmente diferente, já que Mario sempre se deslocou em meios que muito pouco tinham a ver com o nosso mundo. As mudanças, contudo, não ficam por aqui.

Em Sunshine, vemos Mario ser injustamente acusado de vandalismo por um sistema de justiça que aparentemente é dominado por invidivíduos de muito fraca acuidade visual e que condena a personagem bandeira da Nintendo a limpar todos os danos deixados pelo verdadeiro culpado. Aqui temos o catalisador para o elemento chave de Super Mario Sunshine: FLUDD, elemento essencial para a jogabilidade que permite a Mario progredir pelas etapas por onde passa. Mais do que um sidekick ou que um power-up, FLUDD desempenha uma função mais importante que os cogumelos desempenhavam nos jogos da série Mario a 2D.
A mecânica dos saltos e da coordenação não se perdeu mas a jogabilidade foi enriquecida com a utilização de FLUDD para a limpeza de superfícies e limpeza [literalmente] de inimigos enquanto que, possivelmente pela primeira vez, Mario terá de desempenhar algumas funções directamente ligadas à sua mítica profissão de canalizador...há ainda espaço para um pequeno nível de interacção com personagens não-jogáveis, algumas que nos tratam mal, outras que mostram a sua gratidão da melhor forma possível – muitas semelhanças com o mundo real. Como não poderia deixar de ser, alguns inimigos requerem um certo uso da creatividade e jogadores que pensam que podem derrotar certas criaturas apenas com a utilização do elemento água serão rapidamente informados de que assim não chegam lá.

Refira-se que, apesar de Super Mario Sunshine não se desenrolar no conhecidíssimo Mushroom Kingdom, a Nintendo conseguiu fazer a ligação com o universo tradicional da série Mario, algo que se torna cada vez mais evidente à medida que o jogo avança, sobretudo no final. Foram igualmente incluídas umas escapadas de Isle Delfino que constituem algumas das etapas mais exigentes do jogo e que recriam, sem margem de dúvida, um certo ambienteretro e nos fazem lembrar de onde viemos – não significando necessariamente que sejamos atirados para um jogo anterior, mas tentar equilibrar Mario num gigantesco pássaro de areia em voo obriga-nos a pôr em prática o que de melhor sabemos de sobrevivência em jogos de plataformas.
Tecnicamente estamos perante uma obra que encaixa muito bem no seu tempo – utilização de cores e efeitos de luz simplesmente soberbos, criando com bastante perfeccionismo um ambiente gráfico de uma ilha tropical com toda a luminosidade, transparência e até alguns ligeiros efeitos de distorção devido ao calor que este meio exige. No campo dos pormenores, uma menção positiva para as texturas aquáticas, que estão entre as texturas mais difíceis de criar no universo dos jogos – não temos uma água realista, longe disso, mas não deixa de ser algo referescante. Mais uma vez, infelizmente, um certo abuso do lens flare, já que alguém um dia decidiu que se fosse incluído nos jogos seria algo...realista, mas a verdade é que a nossa visão não é a de uma câmara de televisão, embora isso já tenha acontecido em Super Mario 64. E tal como em Mario 64, continuamos a ter umas pequenas falhas de câmara que em locais mais apertados nos prejudicam um pouco a visão, sem consequências graves na globalidade do jogo.

Uma outra nota [muito] positiva vai para a forma diferente como somos imersos na história de Sunshine – a bem da verdade, digamos que os jogos da série Super Mario nunca se destacaram por terem enredos envolventes e complexos, personagens profundas e diálogos empolgantes, nunca se esperou isso deles nem se espera de um jogo de plataformas. Sunshine introduz alguns elementos mais dignos de um guião – não entra no território que os jogos de aventuras e que os RPGs marcaram para si, isso seria impossível e iria destruir este esforço, mas a forma como Sunshine integra elementos que tornamo pano de fundo mais vivo, mais humano, mais digno de uma consola do século XXI, merece uma aprovação digna de registo. Neste aspecto, destaca-se, sobretudo, o desenvolvimento das personalidades de Bowser e Boswer Jr., uma equipa pai&filho destinada a enfrentar Mario em toda a parte e com umas pequenas insinuações à mistura, algo que nos demonstra que um jogo de plataformas pode viver da sua jogabilidade, mas que acrescentar um pequeno enredo, desde que bem enquadrado, dá um novo brilho à obra.
Sunshine criou o seu próprio território no universo Super Mario...goste-se ou não – há quem não goste, há quem o aprecie. Sobretudo, além de criatividade e de uma certa dose de surrealismo – Hotel Delfino tem o seu quê de perturbador – mostrou coragem por parte dos criadores. Depois do colosso monumental e imortal que foi Super Mario 64, Sunshine ousou ir por um caminho diferente e isto foi arriscado – porquê, podem perguntar? Porque na altura em que Sunshine foi lançado, em 2002, a Nintendo debatia-se com bastantes dificuldades para afirmar a GameCube no mercado, face a uma PlayStation 2 que já tinha, essencialmente, conquistado as preferências da maior parte dos jogadores e a uma novidade chamada Xbox.
Conclusão
Quando o senso comum [há quem lhe chame fan service] ditava um Super Mario 64 2, ou Super Mario 128, como até nos pareceu ameaçar no Nintendo Space World de 2000 [e que acabou por se tornar Pikmin], como o jogo mais desejado para fazer a 128-bits da Big N descolar, a Nintendo brindou-nos com um título original, alternativo, pouco ortodoxo mas que faz tão parte da família como qualquer outro.
O melhor
- A qualidade técnica
- A originalidade e a criatividade que rodeia todo o jogo
O pior
- Um nível de exigência muito elevado arrisca-se a afastar alguns jogadores