
ANÁLISE
The Binding of Isaac: Rebirth
Horrores divinos.
Por Pedro Meleiro a
Passaram-se alguns anos desde a primeira tentativa de trazer para consolas da Nintendo um título da autoria de Edmund McMillen, um criador independente de videojogos que conseguiu levar para fora deste circuito e para um público mais generalista a sua mais reconhecida obra até então, Super Meat Boy. Muita água passou debaixo da ponte sem que esta primeira investida, ainda na Wii através do serviço WiiWare, resultasse num desfecho favorável para o criador norte-americano. Só em 2015 e já depois de outras tentativas infrutíferas é que The Binding of Isaac, segundo sucesso comercial de McMillen, viria chegar a bom porto numa nova versão feita de raíz pela Nicalis. Mas este Rebirth é muito mais do que uma versão melhorada do original de 2012 desenvolvido em Flash.
Quem já experimentou The Binding of Isaac antes sabe bem o que esperar desta nova versão e, em simultâneo, não faz ideia do que o espera, dada a natureza imprevisível do jogo. A narrativa é simples e directa: guiada por ordens do Senhor, a mãe de Isaac é induzida a retirar da posse do filho qualquer materialismo que possa levar o rapaz por "maus caminhos"; numa última tentativa de livrar Isaac das impurezas do mundo, o poder divino ordena a sua morte como sacrifício. A mãe, no seu papel hiperbólico de fanática religiosa, aceita o pedido e persegue o filho fugidio para o interior da cave da casa. Isaac, um miúdo medroso, chorão, não correspondido nos seus amores e vítima de bullying por parte dos seus pares, foge de mais um tormento em busca de sobrevivência. É neste bizarro contexto que a acção tem início, a uma distância do solo tanto maior quanto mais se progride na aventura.The Binding of Isaac apresenta várias características que quem jogou o Legend of Zelda original vai reconhecer e aceitar como um produto que resulta em parte da inspiração no título da Nintendo. Isto verifica-se não só pelo tipo de perspectiva adoptado mas também pela exploração por cavernas (representadas como pisos) divididas em salas rectangulares, com chaves e bombas para usar, inimigos para abater, itens para apanhar, segredos para encontrar e um grau de dificuldade traiçoeiro. Para além da estética marcadamente gore e típica de desenhos animados, o que há de tão distinto nesta criação da mente complexa de McMillen é a geração procedimental de conteúdo que se repercute na estrutura dos níveis, distribuição de inimigos pelas salas e o tipo de itens que vão surgindo. As combinações possíveis são tantas (a quem joga parecerão infinitas) que parte do entusiasmo de jogar The Binding of Isaac é relegado para o factor surpresa, factor esse que é mais acentuado sempre que se entra numa nova sala. Isto é ainda mais intrigante por não haver uma relação evidente entre o que acontece numa sala e o que pode acontecer na seguinte; apenas é sabido a priori o tipo de sala: normal (a mais comum), boss (ponte para o próximo piso e reconhecível pela porta cadavérica), tesouro (representada com porta dourada), secreta (só descoberta com uso de bombas nas paredes), arcade (com um painel luminoso na porta), etc.
Uma das principais novidades nesta nova versão recai na quantidade de itens e poderes que o jogador pode encontrar, agora ainda mais variados e com repercussões mais bizarras na acção. Para além das chaves, bombas e moedas cumulativas, existem também os comprimidos com efeitos favoráveis ou nefastos, as cartas e runas, os itens permanentes que acompanham Isaac até ao fim do jogo, as bugigangas com um efeito bónus passivo e ainda os itens que são utilizáveis após concluir um certo número de salas. Os efeitos podem reflectir-se, por exemplo, no tipo de disparo do protagonista (convertendo as lágrimas de um choro ininterrupto em raios laser, gotas de sangue ou bolhas capazes de atravessar obstáculos), na quantidade e tipo de corações de vida, no tele-transporte para outros locais do mapa, na alteração de algumas probabilidades, entre muitas outras coisas.Outra grande melhoria tem a ver com a performance do jogo em momentos mais caóticos, que deixa agora de sofrer os slow downs na renderização de tantos elementos no ecrã, limitação típica dos jogos desenvolvidos em Flash. Para além disso, os elementos visuais passaram agora a ter uma estética mais pixelizada em vez do aspecto em vector do original e a banda sonora foi refeita, deixando para trás as composições carismáticas de Danny Baranowsky e para dar lugar a um novo leque de temas igualmente bem conseguidos pela dupla Ridiculon. As salas de maior dimensão são também uma novidade bem-vinda e que trazem mais liberdade para criadores e jogadores abordarem o jogo, já que a natureza claustrofóbica da maioria das salas as limita à dimensão do ecrã. Rebirth traz novos modos para além do principal, como é o caso dos Challenges, que impõem determinadas regras/condições e cujo cumprimento reverte em conteúdo adicional no jogo; há ainda novas personagens desbloqueáveis, que induzem a novas formas de abordar uma jogada.
Conclusão
The Binding of Isaac foi indubitavelmente um título viciante e repleto de boas ideias mas que se sentia ainda um pouco inacabado e a precisar de um polimento técnico, mostrando-se quase como um protótipo em fase avançada de algo maior. Rebirth é o resultado de um trabalho consciente e dedicado que cumpre com eficácia em várias frentes que se sabiam poder ser melhoradas, de forma a entregar um jogo muito mais coeso e completo. A versão definitiva de um dos mais bem sucedidos títulos desta fornada de criadores independentes.
O melhor
- Quantidade e variedade de conteúdo tornam-no viciante
- Grandes melhorias técnicas face à versão original
O pior
- Ligeiras quebras de fluidez