
ANÁLISE
Adventures of Pip
Solitário pixel.
Por Pedro Meleiro a
O reflorescimento e propagação da chamada pixel art tem como dois dos principais responsáveis os criadores independentes e a massificação do mercado digital. No primeiro caso, trata-se de jovens que cresceram nas décadas de 1980 e 1990 acompanhando de perto a indústria enquanto consumidores e que se desdobram hoje no papel de mentes criativas; no segundo caso, trata-se dos canais de distribuição que catalizaram a chegada aos consumidores destas obras. Não é assim descabido pensar que esta nova vaga de criadores seja mais susceptível de adoptar uma postura revivalista face aos videojogos do que os estúdios financiados pelas grandes editoras.
Adventures of Pip da Tic Toc Games, tornado possível por uma campanha de crowdfunding bem sucedida, não só adopta um estilo visual com um vasto (mas não completo) recurso à pixel art como apresenta também uma narrativa em torno deste mesmo tema. O título de estreia nas consolas Nintendo da equipa californiana apresenta um mundo cuja sociedade está hierarquizada conforme a densidade de pixéis de cada um. Portanto um habitante composto por um único pixel terá menos privilégios do que um de 8-bit e estes encontram-se abaixo dos habitantes 32-bit, que são os que exercem o seu poder sobre os outros e entre os quais se encontra a família real. Pip é composto por um único pixel vermelho e protagoniza esta aventura, sendo o único capaz de salvar a princesa raptada por uma rainha um tanto mal intencionada e devolver aos habitantes do reino os pixéis que lhes foram roubados.Para isso Pip terá de recorrer a uma habilidade especial que lhe permite absorver pixéis e transformar-se em versões mais densamente pixelizadas de si mesmo, podendo assumir uma forma em 8 ou 32-bit, para além da sua forma inicial de um só pixel. Cada transformação dá acesso a mecânicas distintas que terão de ser cuidadosamente aplicadas ao longo dos níveis para poder progredir, isto porque as melhorias da transformação só se conseguem atacando umas criaturas para esse efeito, enquanto que a despromoção, por assim dizer, é possível a qualquer momento. No entanto, rapidamente o jogo ensina que nenhuma transformação é superior a outra, ensinamento que pode ser transposto para pôr em causa a sociedadede de estrutura vertical que o enredo apresenta. Cada transformação incrementa por um lado e retira por outro: o Pip de um só pixel é o que consegue passar em locais mais estreitos e dar saltos maiores em altura e comprimento; por seu turno, o Pip em 8-bit é o único capaz de se agarrar e saltar entre paredes; na sua versão 32-bit, Pip perde em salto e velocidade mas vinga na força do seu ataque de espada para atingir inimigos e abrir caminhos bloqueados.
Cada nível introduz novos elementos que promovem a variedade de desafios deste título, algo transversal a qualquer jogo de plataformas que se preze, e dão a entender que quem está por trás deste título estudou bem a lição. No entanto, a maioria destes elementos é já quase clássica nos mais convencionais títulos do género. É o que sucede no caso da interacção com a água ou lava, plataformas que cedem com o peso da personagem, zonas ventosas que empurram Pip numa direcção, inimigos que perseguem o jogador ou que têm uma carapaça espinhosa, entre vários outros que vão parecer familiares. A julgar apenas por esta observação, Adventures of Pip poderia ser acusado de falhar em inovar, não fossem todas estas interacções variarem para cada transformação de Pip. Isto abre espaço para todo um interessante trabalho de desenho de níveis que gira em torno da resolução de quebra-cabeças e que induzem o jogador a saltar entre transformações para poder progredir e aprender a tirar partido das vantagens de cada uma no momento certo. Apesar disso, os níveis estão desenhados de forma a que o jogador nunca dê por si a ficar encravado se não der com a solução para passar.Menos boas são as lutas contra bosses. O que deveria marcar o término de uma área para dar início a outra, ao testar o jogador no domínio das mecânicas apresentadas nos níveis antecedentes acaba por ser em quase todos os casos um confronto anticlimático, quase sempre devido a falhas de execução. Ainda que bem estruturadas no papel, a existência de algumas falhas técnicas e ausência de feedback sonoro e visual em momentos-chave destes confrontos deixam um certo dissabor e quebram a fluidez da experiência. Ainda no tema das falhas, de referir que existem um pouco por todo o jogo, como inimigos que ficam presos numa parede ou itens colados ao tecto, entre outros um pouco mais difíceis de simular. Ainda assim, por ser ligeiros estes são mais susceptíveis de fazer soltar uma gargalhada do que uma macumba contra o jogo.
Para além da progressão intrínseca ao jogador pela destreza e compreensão das mecânicas, também Pip evolui como resultado dos itens que lhe são incutidos, embora seja quase sempre opcional. É possível converter o dinheiro encontrado pelo caminho em artigos que dão a Pip novas habilidades permanentes, consumíveis e corações para vida extra, embora o propósito destes pareça ser o de auxiliar os jogadores menos hábeis, já que nenhum deles é necessário para terminar o jogo. Não há muito mais a fazer depois de completada a jornada, apenas restará resgatar todos os habitantes distribuídos pelos níveis em locais menos visíveis. Ainda que alguns desses habitantes requeiram um domínio extra do que Pip é capaz de fazer, é uma tarefa acessível o suficiente para deixar os jogadores mais experientes à espera de mais.
Conclusão
Adventures of Pip procura distinguir-se no género de plataformas pela cooperação de esforços entre transformações de uma personagem multifacetada, quase como um Lost Vikings, em que os três protagonistas convergem num só corpo. A premissa é interessante e os níveis bastante competentes, mas entram em conflito com uma execução que deixa antever uma margem para melhorias, principalmente nos encontros contra bosses, algo que poderia ser colmatado numa futura actualização. Ainda assim, é um título bem-vindo ao catálogo da Wii U e uma alternativa viável a quem gosta de jogos de plataformas com elementos de quebra-cabeças.
O melhor
- Mapa-mundo de selecção de níveis bem construído
- Novos elementos introduzidos a cada nível
- Encontrar todos os habitantes constitui um desafio extra
O pior
- Mistura de diferentes estilos visuais nem sempre resulta bem
- Algumas falhas técnicas em momentos-chave da acção