
CRÓNICA
A relação de amor/ódio da Nintendo com o mobile
Reflexão sobre a estratégia da Nintendo neste importante segmento.
Por Gustavo Pereira a
O lançamento de Super Mario Run marca a entrada da Nintendo no mercado dos dispositivos móveis enquanto produtora (Pokémon Shuffle tinha sido distribuído pela Nintendo) e é importante tentarmos perceber o porquê desta entrada. Há já vários anos que os investidores têm vindo a fazer pressão para que a Nintendo entrasse no segmento móvel devido ao rápido crescimento do mercado. Contudo, o objectivo desta decisão vai muito além dos retornos esperados da venda de jogos em si. Mesmo com os números recorde que Pokémon Go obteve, continuam a ser pouco representativos nos lucros totais da Nintendo, até considerando os baixos custos de produção destes jogos. A principal razão para isto é a receita baixa que o mercado móvel traz, devido a diversos factores como a dificuldade de captação de valor e a volatilidade do mercado. Se é verdade que um título relativamente simples e barato facilmente tem um retorno enorme, também não é menos verdade que até sucessos como Pokémon Go (que para pequenas produtoras são um verdadeiro jackpot) acabam por ser diminutos quando comparados com os jogos tradicionais.
Se analisarmos ao pormenor o caso de Pokémon Go vemos que a Nintendo teve receitas de aproximadamente 115 milhões de dólares nos primeiros três meses depois do jogo ter sido disponibilizado (a Niantic obteve cerca de $600 milhões). Este número nem chega a representar 9% das receitas obtidas pela Nintendo no período de Abril até Setembro (6%, se tivermos em conta o mesmo período de 2015). Se compararmos com Pokémon Sun & Moon, os títulos da 3DS geraram receitas que atingiram os mesmos valores em apenas 15 dias. Mas se mesmo um fenómeno como Pokémon Go tem apenas um pequeno impacto nas receitas da Nintendo, porquê apostar no segmento móvel?A resposta também se encontra num dos comunicados da Nintendo sobre Pokémon Go. De acordo com as suas estimativas, o lançamento de Pokémon Go teve um impacto de cerca de $330 milhões nas receitas vindas das vendas de hardware (um aumento de 20%). Ou seja, a receita proveniente do aumento das vendas de consolas é três vezes superior às receitas directas do jogo. E isto sem contabilizar o aumento do número de jogos vendidos nem o possível impacto comercial dos recentes Sun & Moon. Isto mostra assim que a principal estratégia da Nintendo é usar o mercado móvel como forma de trazer a marca e as personagens da Nintendo para a ribalta. Se isto não é um efeito propriamente surpreendente, a dimensão que ele atinge já é um caso diferente. Mostra ainda que o problema da Nintendo não eram os seus produtos (ou pelo menos não exclusivamente) mas sim a sua comunicação, e os jogos para dispositivos móveis são uma boa forma de comunicação, já que chegam ao público que deixou de comprar consolas da Nintendo porque viram nos dispositivos móveis um substituto. Como acabam por jogar os jogos da Nintendo nos smartphones, começam a sentir curiosidade em ver que produtos novos da Nintendo foram lançados entretanto e muitos chegam a comprar a consola.
Isto não dissipa algumas reservas em relação ao impacto a longo prazo. A primeira delas é que Pokémon Go não foi um lançamento qualquer mas sim o maior lançamento da história do mercado móvel, o mais provável é que os futuros lançamentos não cheguem sequer perto destes valores. A segunda é que embora 20% seja um número muito bom, não deixa de vir numa altura em que as vendas de hardware estão em mínimos típicos de fim de vida do produto. Por outro lado, a reputação que a Nintendo pode vir a alcançar com cada um destes lançamentos (ainda que mais modestos) certamente que se vai manter por vários anos e os efeitos vão ser muito desfasados no tempo.Concluindo, é mais que evidente que a Nintendo não se vai dedicar exclusivamente aos dispositivos móveis a longo prazo (algo que era um grande receio aquando do anúncio da estratégia). Apesar disso, este mercado pode vir a ter um peso importante na atracção do público menos regular, sobretudo com o aproximar do lançamento da Nintendo Switch. Ainda é bastante prematuro tirar conclusões do único lançamento desta estratégia e de certeza que Super Mario Run nos vai permitir ver melhor qual o verdadeiro impacto que estes jogos podem ter. Uma coisa é certa, o mercado móvel, que até agora era visto como uma ameaça às consolas tradicionais, pode ser uma via para chegar a uma parte do público menos dedicada. Cabe à Nintendo estar à altura do desafio.
O que pensam disto? Acham que a Nintendo não devia sequer entrar neste mercado? Deixem a vossa opinião nos comentários.