
ANÁLISE
GoNNER
Desafio singular.
Por Pedro Meleiro a
GoNNER é um jogo de plataformas 2D com níveis gerados de forma procedimental que se sucedem intercalados por batalhas contra bosses. Cabe ao jogador derrotar os inimigos com disparos da arma ou saltando em cima deles. Só matando vários inimigos de forma sequencial é que se marcam pontos. Mas nada disto é explicado: todas as conclusões resultam da experimentação. A inclusão de elementos do género roguelike e a dificuldade que caracterizam a obra de estreia no circuito comercial da Art in Heart trazem à memória títulos como Spelunky e The Binding of Isaac, ambos certamente reconhecidos por quem joga nestas andanças (ou até fora delas). Mas a obra do multifacetado Ditto não procura um reconhecimento pela vizinhança de géneros com os jogos acima citados: GoNNER é singular e desafiante à sua própria maneira.
Começando com uma visita à morte num cenário sem perigos à vista, o protagonista Ikk apanha três tipos distintos de artigos: uma arma, uma cabeça (leia-se, barra de vida) e um especial. Existem várias combinações possíveis mas nas primeiras instâncias, e até ao jogador se deparar com novos artigos ao longo dos níveis, estas mantêm-se limitadas e direccionadas para um estilo de jogo mais convencional. Cada artigo propõe variações mecânicas interessantes e que influenciam a forma de jogar: um tipo de cabeça garante um conjunto apelativo de cinco corações de vida; mas de cada vez que é acertado, os três artigos que Ikk transporta consigo espalham-se pelo cenário, dificultando a sua recuperação. Por outro lado, o jogador pode optar por uma cabeça de apenas três corações mas neste caso os artigos não se separam do jogador na eventualidade de um ataque inimigo. Existem vários outros artigos que cabe ao jogador encontrar no decorrer desta demanda recheada de perigos.Mas há muito mais em GoNNER do que percorrer níveis do ponto A ao ponto B na esperança de encontrar novos artigos. A possibilidade de o jogador aumentar as suas hipóteses de progressão recaem na capacidade de apanhar umas peças roxas. Estas são despoletadas a cada cinco inimigos eliminados em curtos períodos de tempo, de forma a evitar que o combo se quebre. Para além de permitirem acesso à compra de novos artigos, elas também são úteis para multiplicar a pontuação obtida por cada inimigo eliminado. Não menos importante, estas peças são também muito úteis para evitar um fim do jogo antecipado, permitindo ao jogador trocar algumas das peças por uma nova hipótese de fazer chegar ikk à sua amiga Sally, uma baleia que deu à costa. Perder em GoNNER é um processo contínuo e constante de aprendizagem e por isso mesmo, é preciso saber lidar com a derrota para não se entrar num ciclo de frustração.
Apesar da natureza procedimental para a estruturação dos níveis e que noutros casos poderá transparecer alguma repetição e vazio criativo findas algumas horas de jogo, este é um título que se distingue de quase tudo o que está disponível no mercado. GoNNER consegue fugir a essas tentações pela adopção de um estilo de desenho e animações orgânicas e ricas em variações subtis. Aposta ainda no contraste entre a cor sólida de fundo e os elementos que interagem com a personagem, minimizando o ruído que poderia surgir do uso exagerado de sombreados e texturas. Isto é bem diferente de dizer que é um título visualmente simplista: todas estas decisões são conscientes e requerem um grande trabalho de subtracção daquilo que é meramente acessório para entregar uma experiência onde não há necessidade de recorrer a informação textual para comunicar com o jogador. Também a componente sonora tem um papel primordial em acompanhar os estímulos visuais em tarefas como a antecipação de um ataque inimigo, o disparo da arma ou até a perda de uma vida, atribuindo-lhes uma gravidade satisfatória. Seria até injusto se não se gabasse a sonoplastia de GoNNER como uma das mais peculiares dos tempos recentes.A complementar o modo normal de jogo, existem ainda desafios diários para os mais destemidos e tabelas classificativas para comparar pontuações com outros jogadores. Teria sido interessante a inclusão de um modo de treino que permitisse ao aventureiro menos sagaz praticar nas áreas já alcançadas no modo normal mas sem ter de percorrer os níveis todos do início. Mas aqui o jogo mantém-se fiel às suas origens na entrega de uma experiência sem facilitismos, embora seja discutível se hoje em dia esse tipo de decisões ainda fará sentido. A duração do jogo é bastante reduzida mas, como provavelmente já ficou claro, chegar ao fim não é para qualquer um - este é um jogo deliciosamente difícil, que faz voltar para mais uma jogada apenas para morrer num par de minutos ou, quem sabe, estabelecer um novo marco na distância que se alcançou.
Conclusão
A editora Raw Fury estreia-se na Switch com um dos jogos mais peculiares que a consola recebeu até ao momento. GoNNER não vai agradar a qualquer um, nem é isso que pretende; mas também dificilmente deixa alguém indiferente. É uma experiência audiovisual com contornos únicos e que prestam um contributo importante em torná-lo tão frustrante quanto satisfatório, num misto de emoções que torna difícil de o varrer da cabeça depois de pousar a Switch. Não faz muito para ser receptivo a jogadores com menos destreza nos dedos mas cumpre a sua função enquanto título difícil por excelência e onde o empenho é devidamente recompensado.
O melhor
- Deliciosamente difícil
- Estética peculiar e muito funcional
O pior
- Pouco receptivo aos menos experientes
Nota: Esta análise foi efectuada com base em código final do jogo para a Nintendo Switch, gentilmente cedido pela Raw Fury.