
ANÁLISE
Final Fantasy: The 4 Heroes of Light
Por Henrique Pereira a
Muitos ignoram o facto de que, no longínquo ano de 1987, a Square era uma pequena empresa à beira da falência. Dada a situação, decidiu apostar num último projecto ao qual chamou, ironicamente, Final Fantasy. Hoje, passados 23 anos, 13 episódios, vários spin-off e milhões de cópias vendidas, é admirável pensar no percurso desta mítica saga, uma das mais populares, se não mesmo a mais importante do género nas consolas. Para tal contribuíram anos e anos de jogos com elevadíssima qualidade, dotados de enredos que parecem autênticos contos de fadas, nos quais várias personagens juntam-se para derrotar o mal. A premissa da narrativa continua, mas com uma carga dramática mais acentuada, misturando romance, política, moral e até filosofia, ao passo que a jogabilidade também madurou, evoluindo os combates por turnos simples para sistemas com tempo, combinações entre personagens e outras mecânicas complexas. Mas há novidades em todos os lançamentos e, apesar de a série continuar imensamente popular, tem havido um número crescente de fãs contra as novas direcções. Talvez por isso a Square Enix tenha decidido voltar às raízes com um história simples e directa, entre outros aspectos que visam captar a atenção dos fãs mais hardcore.
O início de uma grande aventura!
A história principal compõe-se de uma simplicidade envolvente. Começa com o dia do nosso 14º aniversário, que neste mundo marca a passagem ao estado adulto. Segundo manda a tradição, deve-se prestar uma visita ao rei, mas o que parece uma audiência informal depressa rebenta com o rapto da princesa, e todos sabemos que não há melhor do que salvar a filha do rei para provar maturidade. Nesta demanda inicial juntamos forças com duas outras personagens que, depois com a princesa, formam o grupo dos “heróis da luz" contra um novo mal que ameaça o mundo. Por outras palavras, este bando de simpáticas figuras deixa claro que vai chegar tarde para jantar… A história tem uma progressão semelhante a Dragon Quest IX, em que devemos ajudar outros reinos e personagens nos seus problemas para evoluirmos, mas ao contrário de Dragon Quest, essas sub-histórias não são tão interessantes.
FF: 4 Heroes of Light pretende ser um RPG da velha guarda e por isso traz consigo um mapa-mundi enorme para explorar, várias cidades, batalhas aleatórias por turnos e, claro, um sistema de classes. Também a exploração e interacção com os NPCs revelam-se essenciais para evoluir, pois só assim sabemos qual o nosso próximo destino. As várias cidades e masmorras estão apinhadas de tesouros e para os detectives de serviço há recompensas por explorarem todos os cantos e recantos. Porém, nem tudo é retro em FF: 4 Heroes of Light. O sistema de batalha tenta simplificar-nos a vida com a atribuição mecânica dos alvos dos nossos ataques e habilidades. Outra mudança significativa nas batalhas é a substituição dos Magic Points por Action Points, que funcionam da seguinte forma: cada personagem pode ter um máximo de 5 AP acumulados, que regeneram a uma taxa de 1 por turno. Todas as nossas acções, desde atacar, usar itens e lançar magia custam um certo número de pontos. A ideia por trás deste sistema é levar-nos a usar os ataques mais poderosos contra outras criaturas além de bosses ou inimigos mais difíceis, o que faz com que os combates contra monstros mais fracos não sejam tão maçadores, além de dar uma dinâmica interessante à luta.


Quando estiverem a solo, o uso da classe Wayfarer é extremamente recomendado.
Outro ponto forte é o sistema de classes, a qual é determinada pelo tipo de coroa equipada na nossa personagem. Existem mais de 20 classes diferentes, cada qual com várias habilidades exclusivas e benefícios, e o jogo incentiva-nos a experimentarmos várias, pois não somos afectados em termos de atributos se trocarmos de classe. Por isso, não tenham medo de alterar o status depois de evoluírem 10 níveis, pois ficarão como se tivessem evoluído esses mesmos níveis na nova classe. Finalmente, uma das mecânicas mais importantes é o "upgrade" através de jóias. Em quase todas as batalhas vão receber diversas peças de joalharia que servem para melhorar armas, armaduras e coroas. Um item essencial para chegar longe neste jogo.


Podem estar os 4 heróis juntos, mas os bosses vão vos derrotar à mesma.
Com toda esta simplificação do sistema de combate e até da narrativa, o jogo aparenta ser um RPG para iniciantes, mas está bem longe de o ser. Na verdade, por baixo desta aparência convidativa esconde-se um jogo diabólico. Na primeira metade da aventura andamos sós ou em grupos de dois e três membros, e por isso os bosses não são muito difíceis. Mesmo os mais complicados requerem apenas uma pequena estratégia para serem derrubados. Mas a partir do momento em que os quatro personagens principais se juntam, o grau de dificuldade dispara em flecha. Para muitos deles, uma boa estratégia inicial não chega, já que nos atiram para o canto do ringue passadas uma ou duas rondas. Aqui joga-se com o factor sorte (muita) ou então temos certos equipamentos que nos tornam imunes a ataques mais poderosos. Infelizmente, esses itens não se encontram tão facilmente, e muitas vezes temos de recorrer a um guia para saber como derrotar certo boss e encontrar esses itens (sim, chegámos ao ponto de cometer esta blasfémia!). E não vale a pena evoluir as personagens para ficarem mais poderosas que o adversário, pois a partir do momento em que o grupo está completo, os monstros igualam o nível da equipa. Breve pausa neste texto para soltar momentos de fúria (ARRRGGGHHH!).
Outro problema do jogo, as masmorras sofrem de grave falta de inspiração, mostrando sempre o mesmo tipo de salas. Os trajectos e todas as áreas da mesma masmorra são praticamente idênticos e, para agravar mais esta situação, na segunda metade do jogo, em vez de explorarmos novas áreas, voltamos aos mesmos sítios para derrotar novos inimigos. Reciclar é bom, como diria o amigo Verdocas, mas neste caso foi em demasia.
Aqueles que tiverem perseverança suficiente para acabar o jogo verão que este tem imensos incentivos para continuarem a jogar. Podem contar com quatro masmorras gigantes onde encontram itens raros, bosses extra, um modo multijogador que permite juntar-vos à história de outro jogador e ajudá-lo ou vice-versa, e a opção “novo jogo+” que poderão usar para completar alguns dos desafios mais difíceis deste título.


Um dos mais belos RPGs na Nintendo DS.
Avançado para a componente mais técnica, e para encerrar esta análise, o jogo tem dos melhores gráficos já vistos na portátil da Nintendo. A Matrix Software já nos tinha impressionado com o remake de Final Fantasy IV, mas graças ao belo "art style" deste jogo, quaisquer falhas do motor 3D são disfarçadas pelo estilo. Existem belos pormenores a pejar o jogo com vida e todos os efeitos são de elevada qualidade. Já a componente sonora é mais fraca em comparação com o grafismo, mas ainda assim decente. As músicas adequam-se às várias situações e, embora não cheguem aos calcanhares das melhores composições de Final Fantasy, têm um estilo e ritmo que contribui para um certo charme retro.
Final Fantasy: The 4 Heroes of Light cumpre o objectivo de ser um RPG com um estilo e charme retro. As modificações ao sistema de batalha são bem-vindas, especialmente para agradar aos menos habituados nestas andanças dos RPG. No entanto, atenção à dificuldade excessiva e à natureza críptica do jogo. Somando prós e contras, este RPG é recomendado a veteranos do género e aos fãs hardcore de Final Fantasy. Se não se inserem em nenhum destes grupos mas ainda assim querem jogá-lo, usem um guia para se pouparem da frustração.
O melhor
- Imenso charme retro
- Arte soberba e qualidade de topo
- Sistema de batalha interessante e dinâmico
O pior
- História pouco interessante
- Demasiada reciclagem de masmorras e áreas
- Dificuldade diabólica a partir da segunda metade do jogo